sábado, 18 de abril de 2009


Sábado, 20 de Outubro de 2007

Chapada II – “Escorregá não é caí, é o jeito que o corpo dá”

Beto
Assim alertava nosso guia, o Beto, para despertar nossa atenção para as pedras lisas da Chapada Diamantina. Beto foi o guia mais cuidadoso e meigo que já tivemos em todos os nossos trekkings. O jeito simples e tranqüilo de ser do Beto nos encantou. Ele cuidou de nós em todos os momentos, sempre estava preocupado, sempre oferecendo suas mãos para nos apoiar nos trechos mais periclitantes das trilhas.

Beto é uma pessoa especial, ele é arrimo de família, ajuda a mãe, dá conta da pensão para o filho e faz seu trabalho com amor. Costumávamos dizer que ele era O CARA, o melhor guia! Ele ficava todo satisfeito e feliz! No último dia, Paulinha eu eu compramos um lindo presente para ele. A emoção do Beto nos tocou. A pureza de seu coração penetrou profundamente os nossos. Fomos marcadas para sempre pela doçura deste homem simples que faz seu trabalho com amor. O amor de conduzir as pessoas pela terra que ele fazia parte, a Chapada Diamantina que ele conhecia tão bem!

Juninho
Para dar a volta ao Parque Nacional, passamos por 4 cidades; Lençóis, Vale do Capão, Mucugê e Igatu. Nosso motorista era o Juninho, com seu jipe montado artesanalmente (como as Ferraris!). Juninho é a alegria em pessoa, sempre alto-astral e de bem com a vida com um sorriso fácil e largo. Ele chegou a fazer duas trilhas conosco, já no final. A buzina do jipe era um botão que ficava no painel e, naquelas estradas sempre vazias, quando outro carro ou alguma pessoa cruzava nosso caminho, Juninho buzinava e dava uma gargalhada muito gostosa. Nós ríamos da risada dele. Ele mesmo era o que mais se divertia com a saudação que recebia gerada por sua buzinada naquela estrada de ninguém. Era curioso e bonito ver isso.

Juninho também é uma pessoa muito simples. Quem vive numa grande metrópole tem essa consciência de que uma vida mais simples traz mais felicidade. Mas quando estamos lá convivenco com essas pessoas, aquilo nos toca de uma forma profunda. A forma como eles levam a vida, a simplicidade e humildade, aquela alegria genuína marcada no sorriso fácil vai lá no âmago. É um tapa na cara da gente, para o bem é claro. Pensamos em nossa vida plena de facilidades e supérfluos comparada com a vida dessa gente e, de longe, eles são mais felizes e humanos. Estar perto da natureza é um encontro diário com a felicidade e eles sabem disso.

Joel
Para que o emprego dos guias seja mantido, muitos guias das cidades locais é quem lidera o passeio. Apesar de o nosso pacote constar o Beto como guia principal, quando cruzamos a fronteira inter-municipal, ao visitar a Cachoeira do Buracão (o passeio mais diferente e exótico), o Joel foi quem nos guiou. Joel é forte e valentão, um Tarzan real. Ele saltava entre pedras e canyons que nos dava um frio na barriga só de ver. Era impressionante a destreza dele. Em algumas ocasiões, ele se ajoelhava e a Paulinha usava a coxa dele como apoio para passar de um ponto o outro. Ele não se importava se a calça dele sujava com as nossas pisadas, ou se iria doer se pisássemos meio de lado, o negócio dele era prover as travessias do modo mais confortável possível e usando a força física dele. Foi ele também que me incentivou e me acompanhou para ir nadando até chegar dentro da cachoeira do Buracão. Eu usava um colete salva-vidas, tremendo de medo e o Joel não usava nada, foi nadando no braço, contra a correnteza. O Beto nos acompanhou porque não deixaria de se divertir por nada nesse mundo! Entrar embaixo da cachoeira do Buracão foi uma sensação in-des-cri-tí-vel. Mas só foi possível porque os dois guias, Beto e Joel me deram todo o suporte e estavam ali do meu lado. O medo se esvaneceu e eles ficaram orgulhosos em me dar este grande prazer. Grandes homens!

Ao retornar para as pedras onde as meninas estavam me senti vitoriosa e ainda mais feliz. É sempre um desafio quando tememos algo (tenho medo de muita água) e conseguimos transpor o obstáculo. Todos os dias, quando acabávamos a trilha eu agradecia a Deus por ter conseguido andar tantos quilômetros, nadar nas cachoeiras geladas, subir e descer montanhas e transpor as pedras sem ter me machucado, sem sequer, ficar com dor nos joelhos.

No dia seguinte também contamos com a valente companhia do Joel. Fizemos a trilha da Cachoeira da Fumacinha. Ao nos despedirmos do Joel, trocamos um forte abraço, agradecemos com muita alegria pela ajuda. Com brilho nos olhos e um sorriso sincero, Joel nos falou que ele é que se sente grato por ajudar, sente-se feliz por nós termos gostado do passeio. Foi lindo ver aquilo, apreciar o orgulho que o Joel tem de fazer parte daquele lugar especial e, principalmente, de servir aos turistas de uma forma tão especial.

Deus que lugar incrível é a Chapada Diamantina!! Além de um lugar com tanta diversidade de paisagens, tem pessoas tão especiais! Não é à toa que a cidade de Lencçóis conta com um número incrível de imigrantes. Quem vem, quer morar ali. Eu também quis...

Conhecer essas pessoas...
...e o modo de vida local nos traz uma experiência muito rica de vida e nos traz de volta um equilíbrio. Já em São Paulo, Paulinha e eu refletimos que, muitas vezes, nossa ambição é desmedida e que não precisa tanto para ser feliz. A cobrança da sociedade é muito forte, por isso, é bom sair da cidade, dar um tempo e ir para lugares longínquos. Ver a vida com outros olhos para estabelecermos um equilíbrio melhor para nosso dia a dia.
Quando fecho os olhos, ouço a voz grave do Beto nos alertando “escorregar não é cair, é o jeito que o corpo dá”. Um provérbio local que, simbolicamente, posso trazer para minha vida diária!

Chapada III – O Poço Encantado: a magia bucólica

Beto e Juninho nos disseram que o último dia seria o mais light. Iríamos andar bastante de jipe durante o dia. Acordamos na Pousada de Igatú e fomos visitar as ruínas que ficavam ali na mesma rua, para baixo. Igatu é uma cidade que fica no mesmo meridiano de Macchu Picchu, chamam a cidade de pré-colombiana. O local foi tombado e virou patrimônio. Depois de ver as ruínas e visitar um rústico museu a céu aberto, fizemos um longo caminho até chegar ao Poço Encantado.

Descemos cerca de 200 metros para entrar na gruta do poço encantado. Não pode falar alto, nem dar risadas, deve-se ficar o máximo possível em silêncio. Quando chegamos ao ponto de sentar e visualizar a gruta, olhei para a frente e vi uma faixa linda azul-anil que a luz exterior provocava na gruta. Nos causou comoção quando o guia apontou aonde que começava a água cristalina. Parecia que não havia nada e a água estava lá, intocada e transparente. Conforme o jeito que a luz entrava, o tom de azul anil mudava. Ficamos muitos minutos sentadas lá, admirando toda aquela beleza azul, completamente absortas. Eu estava tão compenetrada que teve um momento que a Cécile perguntou naquele tom francês “Você está bem?”. Eu estava bem sim, estava repleta de tanta coisa linda que já tinha visto e coroando a viagem com o poço encantado, que é um lugar mágico.

Ao sair, a Cécile comentou que “estava se sentindo bucólica”. Ao escrever essas memórias volta aquele sentimento lindo que o poço encantado me deixou no coração.


Chapada IV – pessoas especiais que se juntaram ao nosso grupo

Nosso grupo de trekking éramos a Paulinha e eu. A agência de São Paulo já havia nos informado que poderíamos ter outras companhias durante os dias que seguiram. No segundo dia, conhecemos a Cécile, uma francesa de 28 anos que estava trabalhando no Brasil e o Jonas, um senhor de 65 anos, de Fortaleza, que parecia (e às vezes falava!) como estrangeiro.

Cécile é uma pessoa muito sensível e altruísta. Quando ela percebeu que eu tinha medo de atravessar os riachos à nado para chegar às cachoeiras, ela se ofereceu para nadar ao meu lado. Ela ia um pouco na frente e, de vez em quando, olhava para mim com um olhar tão parceiro, como se dissesse “não tenha medo, estou te acompanhando”. E foiassim em todas as vezes em que entramos nos riachos, até o final. Cécile muitas vezes ficou para trás acompanhando o Jonas. Em uma das trilhas, mesmo com o joelho doendo, ela se ofereceu para levar o tripé da câmara do Jonas. E, na volta da Cachoeira do Buracão, com uma chuva fina e um pouco frio, paramos em uma pequena padaria no distrito de Ibicoara. Cécile estava na porta da padaria observando os arredores, passou uma moça com o guarda-chuva voando e ela se prontificou a ajudar.

Cécile ainda ficaria mais alguns dias na Chapada quando Paulinha e eu estávamos voltando para São Paulo. Ela disse que, apesar de estar sem muitas roupas, iria ficar. Eu ofereci algumas das minhas roupas emprestadas e ela aceitou. Foi um modo de agradecer pelas travessias em que tive o apoio presdencial dela e ela entendeu isso de coração. Marcamos de nos encontrar em São Paulo, cerca de duas semanas depois. Cécile estava retornando para a França. Quando nos encontramos em São Paulo ela me trouxe as roupas e confessou, com os olhos brilhando, que foi uma pena conhecer a gente no final da viagem. Fiquei tocada com a sensibilidade dela. O abraço forte que trocamos mostrou nossa emoção de ter compartilhado momentos e lugares incrivelmente lindos desta viagem fantástica. Das roupas que ela me devolveu eu dei uma calça preta da Zara para ela. Eu a-do-ra-va aquela calça mas, quando ela vestiu, lá na chapada, ficou tão incrivelmente bem nela que senti que a calça não me pertencia mais. O mais incrível foi que a Cécilo sabia o quanto aquela peça de roupa significava para mim e o fato de eu estar abrindo mão dela também tinha um significado ainda maior de termos vivenciado uma experiência muito significativa e que merecia aquela troca. Lembrar do olhar dela me apoiando enquanto nadávamos para cruzar os riachos valeria qualquer troca!

O Jonas me mostrou o lado humano da superação. Um senhor com muito vigor que ainda continuou por lá quando Paulinha e eu, já exaustas, voltamos para São Paulo. Eles continuariam o trekking com outro grupo. Jonas também estava sempre de bom humor, às vezes cantarolava imitando um trombone e sempre tirava fotos de nós três em momentos distraídos. Jonas fez questão de vir nos ver na manhã em que partimos, achei muito cavalheiro da parte dele. Nos dias que se seguiram, nos falamos por celular e ele já manifestava a saudade das caminhadas. Eu também confessei que já sentia saudades das trilhas e do privilégio de ter conhecido pessoas tão especiais! Jonas simbolizou não só a superação como também a alegria de trilhar um caminho que pertencia a ele próprio. Casado há muitos anos, a esposa não curtia, talvez nem tivesse o mesmo vigor e saúde que ele para fazer trilhas e, mesmo assim, ela compreendia a natureza dele e aceitava as viagens exóticas do marido. Foi um lindo exemplo de relacionamento!

Os ingleses Greg e Steve foram uma comédia à parte. Eles vieram da Inglaterra em três semanas de férias no Brasil. Passaram pelo Rio de Janeiro, Salvador e as praias do litoral norte e, depois da Chapada, iriam para Morro de São Paulo. Greg era mais extrovertido, conversava mais, contava histórias e dava muita risada. Steve já era mais contido, um típico jovem inglês sarcástico. Eles estavam acompanhados da Thaís, uma jovem tradutora. Durante as travessias no jipe, Greg e Steve ouviam Ipod. Eles cantavam e fingiam que tocavam os instrumentos da música que ouviam, guitarra, saxofone, violino, era muito engraçado, eles não estavam nem aí. Ao sair de Andaraí, onde passamos para tomar sorvete e fomos ver diamantes num ourives, já estava escurecendo e começamos a compartilhar as canções da infância. Nós cantávamos em Português e eles, cantavam as versões em inglês. Vimos que temos muitas canções em comum. Foi um retorno muito divertido, todos se entregaram ao momento!

A Thaís morava e trabalhava em uma pousada em Lençóis. Ela foi passar o Carnaval/2007 na Chapada, se encantou pelo lugar e, com o apoio da família, decidiu ficar. Ela mora com os pais e dois irmãos em Brasília/DF. Além de ser uma moça linda e nova, tem uma experiência de vida muito rica. Fiquei tocada em vários momentos em que ela nos contou sua vida, sobretudo quando compartilhou sobre a forma como os pais transmitiram o valor de se conquistar as coisas na vida, do dinheiro aos sonhos. Embora ela tivesse condições boas de vida, ela contou que desde adolescente fazia trabalhos de recepção em festas e usava o dinheiro para comprar os sapatos, bolsas e outras coisas que desejava. Desta forma, desde cedo, ela aprendeu o valor das coisas e o sabor da conquista e isso, dentre outros exemplos de uma vida digna que os pais passaram, formou o seu caráter e de seus irmãos. Ela teve a oportunidade de trabalhar alguns meses nos Estados Unidos e isso deu a chance de viajar mais e conhecer pessoas e culturas diferentes.

Ouvir as histórias da Thaís é ouvir exemplos belíssimos de pais que educaram os filhos para a vida, para respeitar o próximo, para valorizar o dinheiro que ganham e buscar realizar os sonhos pelos próprios esforços e não por meio dos pais. Ela é uma jovem diferenciada, madura para sua idade e diferente de muitos jovens que encontramos hoje, produto de pais que dão tudo o que os filhos pedem, sem ensinar o valor das coisas, desmesuradamente. Ela contou que a decisão de ir morar em Lençóis foi abençoada pelos pais. O que conhecemos dos pais brasileiros é uma vida de proteção, muitos pais não aprovariam a decisão que a Thaís tomou. Mas os pais dela apoiaram e, não só ela, como toda a família se engrandeceu com a experiência.

Cada pessoa que conheci nesta viagem me faz lembrar histórias de intensidade. Cada um me marcou de uma forma muito, muito especial.

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